Estava atrasada. Tinha que terminar de me vestir e sair voando para a rodoviária. Aquele sábado seria diferente já que receberia a visita de minha prima Edith e uma amiga.
Para situar o leitor, Edith é minha prima em 2º grau e nos conhecemos desde pequenas. Contudo, nosso modo de vida e nossas aspirações acabaram nos fazendo tomar rumos diferentes. Sempre gostei muito de trabalhar e estudar. Edith não. Adoro as longas tardes de sábado distraídas com uma leitura. Edith não. Definitivamente a maturidade mostrou que não havia entre nós qualquer afinidade. Só que, por algum mistério do destino, Edith me adorava e não media esforços para me fazer visitas, o que sempre era motivo de preocupação. Edith é extremamente fútil e todos em minha casa fogem da coitada, pois não agüentam um minuto de conversa com ela. Conversa é modo de dizer já que Edith pode ficar horas falado de si, sem dar a chance do interlocutor fazer qualquer aparte. Em compensação ela é linda e muito rica o que contribui para que ela tenha sempre um séqüito a sua volta, pessoas vazias como ela embevecidas pela ostentação característica de Edith.
A estas alturas eu já estava atrasada o que por certo causaria grande incômodo a prima. Cheguei na rodoviária e fui encontrar as duas, Edith e sua amiga, na cafeteria. Ao me ver, Edith sorriu e aos gritinhos veio em minha direção. Ela parecia remoçada e eu poderia ser sua mãe.
- Gwenda que bom te ver! Estava agora mesmo comentando com Irene o quanto me agradam estas visitas.
A amiga, de Edith esboçara alguma coisa que me pareceu com um “muito prazer”, mas em tom tão baixo que parecia mais um sussurro ou um suspiro.
No caminho até o carro, Edith esclareceu o motivo da visita tendo me colocado no compromisso de acompanhar as duas a um encontro onde aconteceria a fundação de uma espécie de associação.
Assim foi.
Almoçamos. Fomos ao centro fazer umas “comprinhas” e depois nos dirigimos à casa da Senhora Isadora Lauter, conhecida socialite, onde aconteceria a primeira reunião da misteriosa associação.
Chegamos à residência e fomos recebidas por uma empregada que nos acompanhou a uma saleta onde já estava um grande grupo de mulheres de idade indefinida, cheirando a Chanel.
Sentei um pouco afastada, já que estava somente acompanhando minha prima. Passados alguns minutos (que me pereceram horas), a anfitriã Isadora Lauter entrou na saleta, desculpando-se pelo atraso e fazendo questão de beijar uma por uma das senhoras presentes inclusive esta ilustre desconhecida que vos fala.
Confesso que eu estava realmente curiosa para saber o que teria levado aquelas dezesseis mulheres a se reunirem em uma tarde de sábado e por isso passei a prestar atenção quando Isadora começou a falar.
Pude saber então que aquelas senhoras estavam lá porque pretendiam fazer um trabalho assistencial diferenciado. Pretendiam auxiliar jovens de baixa renda a fazer cirurgias plásticas, aplicações de botox, maquiagem definitiva e tudo o mais que elas consideravam essencial para melhorar a auto - estima e por via de conseqüência a qualidade de vida
Isadora achava a beleza essencial. Considerava a aparência como a porta de entrada para o sucesso. Uma mulher bonita e jovem poderia fazer um bom casamento e por mais antiquado que parecesse ainda considerava a forma mais segura de subir na vida.
Por um instante eu pensei estar participando de uma pegadinha, como estas que muitas vezes vemos na TV, mas percebi logo que elas falavam sério.
De vez em quando, Edith me olhava buscando minha aprovação, parecendo excitada com a idéia, mas logo voltava ás atenções à matrona que ficou por mais de meia hora discursando para a platéia que parecia tão encantada que esperei aplausos quando ela finalmente terminou a fala. Isadora passou a palavra à Edith. Nesse momento, fiquei sabendo que minha prima era a idealizadora do projeto e seria encarregada de organizar tudo.
Edith discursou por mais meia-hora tendo dito inclusive que contaria com a inteligentíssima prima Gwenda para auxiliá-la.
Eu poderia ter me levantado ou mesmo sorrido, mas na verdade fiquei muda e paralisada. Eu! Participando de uma associação inútil daquelas. Cheguei a pensar em internar cada uma delas.
Após a reunião, foi servido o chá, com guloseimas demais para pessoas tão anorexicas. Acredito que ninguém além de mim chegou perto dos docinhos. Enquanto saboreava o chá lembrei do pobre Narciso, aquele da lenda, que de tão fascinado por sua beleza, acabou caindo no lago e se afogando.
A vida daquelas mulheres era assim, uma eterna contemplação de sua própria beleza, nada mais que uma capa protetora contra seus fantasmas interiores. Espectros siliconados, calçando Prada, bebendo Champanhe e pensando que venceriam o passar dos anos com intermináveis cirurgias plásticas.
Os filhos eram investimento. O marido, fonte de renda. As amigas, pessoas com quem competir.
São egocêntricas compulsivas. Solitárias crônicas. Perdidas no mundo da beleza e do culto ao corpo, sem saber que sua passagem na vida não significará nada.
De repente me vi com pena daquelas mulheres que riam da própria frivolidade e ainda se alçavam em promover a socialização dessa frivolidade.
Alguém tocou em mim. Era Irene informando que gostariam de ir embora.
Edith e Irene foram ainda até minha casa e durante o trajeto fizeram planos para a próxima reunião. E eu que fiquei calada a maior parte do tempo, lembrando orgulhosa o quanto eu desprezava toda aquela ignorância, disfarçada de opção, mas encarceradora do ser humano vaidoso e imprudente como Narciso encarcerado pela própria imagem.
Eu ainda preferia a liberdade de um chopinho no fim-de-semana, uma pizza com a família e os amigos e uma boa caminhada no parque. Tudo popular, simples e verdadeiro como aquelas ruguinhas novas que já apareciam no canto dos meus olhos. (Gilda Satte Alam Severi Cardoso)
Para situar o leitor, Edith é minha prima em 2º grau e nos conhecemos desde pequenas. Contudo, nosso modo de vida e nossas aspirações acabaram nos fazendo tomar rumos diferentes. Sempre gostei muito de trabalhar e estudar. Edith não. Adoro as longas tardes de sábado distraídas com uma leitura. Edith não. Definitivamente a maturidade mostrou que não havia entre nós qualquer afinidade. Só que, por algum mistério do destino, Edith me adorava e não media esforços para me fazer visitas, o que sempre era motivo de preocupação. Edith é extremamente fútil e todos em minha casa fogem da coitada, pois não agüentam um minuto de conversa com ela. Conversa é modo de dizer já que Edith pode ficar horas falado de si, sem dar a chance do interlocutor fazer qualquer aparte. Em compensação ela é linda e muito rica o que contribui para que ela tenha sempre um séqüito a sua volta, pessoas vazias como ela embevecidas pela ostentação característica de Edith.
A estas alturas eu já estava atrasada o que por certo causaria grande incômodo a prima. Cheguei na rodoviária e fui encontrar as duas, Edith e sua amiga, na cafeteria. Ao me ver, Edith sorriu e aos gritinhos veio em minha direção. Ela parecia remoçada e eu poderia ser sua mãe.
- Gwenda que bom te ver! Estava agora mesmo comentando com Irene o quanto me agradam estas visitas.
A amiga, de Edith esboçara alguma coisa que me pareceu com um “muito prazer”, mas em tom tão baixo que parecia mais um sussurro ou um suspiro.
No caminho até o carro, Edith esclareceu o motivo da visita tendo me colocado no compromisso de acompanhar as duas a um encontro onde aconteceria a fundação de uma espécie de associação.
Assim foi.
Almoçamos. Fomos ao centro fazer umas “comprinhas” e depois nos dirigimos à casa da Senhora Isadora Lauter, conhecida socialite, onde aconteceria a primeira reunião da misteriosa associação.
Chegamos à residência e fomos recebidas por uma empregada que nos acompanhou a uma saleta onde já estava um grande grupo de mulheres de idade indefinida, cheirando a Chanel.
Sentei um pouco afastada, já que estava somente acompanhando minha prima. Passados alguns minutos (que me pereceram horas), a anfitriã Isadora Lauter entrou na saleta, desculpando-se pelo atraso e fazendo questão de beijar uma por uma das senhoras presentes inclusive esta ilustre desconhecida que vos fala.
Confesso que eu estava realmente curiosa para saber o que teria levado aquelas dezesseis mulheres a se reunirem em uma tarde de sábado e por isso passei a prestar atenção quando Isadora começou a falar.
Pude saber então que aquelas senhoras estavam lá porque pretendiam fazer um trabalho assistencial diferenciado. Pretendiam auxiliar jovens de baixa renda a fazer cirurgias plásticas, aplicações de botox, maquiagem definitiva e tudo o mais que elas consideravam essencial para melhorar a auto - estima e por via de conseqüência a qualidade de vida
Isadora achava a beleza essencial. Considerava a aparência como a porta de entrada para o sucesso. Uma mulher bonita e jovem poderia fazer um bom casamento e por mais antiquado que parecesse ainda considerava a forma mais segura de subir na vida.
Por um instante eu pensei estar participando de uma pegadinha, como estas que muitas vezes vemos na TV, mas percebi logo que elas falavam sério.
De vez em quando, Edith me olhava buscando minha aprovação, parecendo excitada com a idéia, mas logo voltava ás atenções à matrona que ficou por mais de meia hora discursando para a platéia que parecia tão encantada que esperei aplausos quando ela finalmente terminou a fala. Isadora passou a palavra à Edith. Nesse momento, fiquei sabendo que minha prima era a idealizadora do projeto e seria encarregada de organizar tudo.
Edith discursou por mais meia-hora tendo dito inclusive que contaria com a inteligentíssima prima Gwenda para auxiliá-la.
Eu poderia ter me levantado ou mesmo sorrido, mas na verdade fiquei muda e paralisada. Eu! Participando de uma associação inútil daquelas. Cheguei a pensar em internar cada uma delas.
Após a reunião, foi servido o chá, com guloseimas demais para pessoas tão anorexicas. Acredito que ninguém além de mim chegou perto dos docinhos. Enquanto saboreava o chá lembrei do pobre Narciso, aquele da lenda, que de tão fascinado por sua beleza, acabou caindo no lago e se afogando.
A vida daquelas mulheres era assim, uma eterna contemplação de sua própria beleza, nada mais que uma capa protetora contra seus fantasmas interiores. Espectros siliconados, calçando Prada, bebendo Champanhe e pensando que venceriam o passar dos anos com intermináveis cirurgias plásticas.
Os filhos eram investimento. O marido, fonte de renda. As amigas, pessoas com quem competir.
São egocêntricas compulsivas. Solitárias crônicas. Perdidas no mundo da beleza e do culto ao corpo, sem saber que sua passagem na vida não significará nada.
De repente me vi com pena daquelas mulheres que riam da própria frivolidade e ainda se alçavam em promover a socialização dessa frivolidade.
Alguém tocou em mim. Era Irene informando que gostariam de ir embora.
Edith e Irene foram ainda até minha casa e durante o trajeto fizeram planos para a próxima reunião. E eu que fiquei calada a maior parte do tempo, lembrando orgulhosa o quanto eu desprezava toda aquela ignorância, disfarçada de opção, mas encarceradora do ser humano vaidoso e imprudente como Narciso encarcerado pela própria imagem.
Eu ainda preferia a liberdade de um chopinho no fim-de-semana, uma pizza com a família e os amigos e uma boa caminhada no parque. Tudo popular, simples e verdadeiro como aquelas ruguinhas novas que já apareciam no canto dos meus olhos. (Gilda Satte Alam Severi Cardoso)
2 comentários:
Gilda
Adorei o que escreveste. Tem humor e ao mesmo tempo conteúdo para reflexão, além de rítmo e movimento ( que para mim é difícil, como já coloquei para todos).
Creio que assim é mais fácil nos determos no que os colegas ( e amigos- fiquei feliz com tua colocação no email-) escrevem, pois no decorrer da aula podemos não perceber.
Beijo
Isabel
Gilda, amei. É simples, direto, claro. Verdadeiro.
E adorei o Blog, também: útil, importantíssimo prá nós. Grata! Bj.
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