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quarta-feira, 11 de junho de 2008

MAGICOS VERANEIOS POR Gilda Cardoso



Acordei com um “frio na barriga”. Primeiro dia de férias e logo mamãe nos chamaria para tomar café e irmos para o Laranjal.
Laranjal era sinônimo de liberdade. Lá eu podia me espichar mais com minha bicicleta e quem sabe até fazer a volta na quadra.
Como sempre, faríamos as malas e logo mamãe começaria a retirar as roupas em excesso.
Olhei o relógio e já eram 9h. O que teria acontecido?
Minha irmã continuava dormindo e resolvi levantar para procurar meus pais.
O frio na barriga havia se transformado em “bola no estômago” e eu pressentia que havia algo errado.
Desci as escadas e vi meus pais conversando com dois senhores do Corpo de Bombeiros. Mamãe estava cabisbaixa. Parecia que a conversa não era boa.
Fiquei ali uns instantes, mas como a conversava estava muito demorada decidi chegar na sala para ouvir melhor.
Comecei a ouvir a conversa e a bola no estômago se transformou em nó na garganta.
Ouvi bem quando um dos bombeiros falou que o incêndio havia começado por volta de 04 horas da manhã. Pouca coisa havia escapado.
Logo pensei no Simpático, um cachorrinho que havia nos adotado no verão passado e agora era o guardião da casa.
Como se meus pensamentos tivessem sido captados o mais jovem dos bombeiros comentou que o “animalzinho estava bem e na casa do vizinho”.
Fiquei aliviada, mas ainda assim frustrada. Foi a primeira vez nos meus 12 anos de vida que pude entender bem o significado de frustração. Não que eu já não tivesse sentido pequenas insatisfações, mas aquela me havia chegado como algo maior. Dias de expectativa, planos, projetos, tudo parecia interrompido e de uma forma diferente alguém havia destruído nosso pequeno paraíso.
Girei nos calcanhares e corri para acordar minha irmã. Ela demorou um pouco a entender exigindo mais de uma repetição. Sua primeira pergunta foi:
- E o Pitinho?
Respondi:
- Não sei! Mas temos de esperar pelo pior.
Pitinho era como carinhosamente chamávamos um imenso Eucalipto que ganháramos há alguns anos e que havíamos plantado em frente a casa com direito a ritual e oferendas. A pequena árvore, não mais que um galhinho, ganhou até um bolo de chocolate representando as boas vindas.
Nós realmente tínhamos a capacidade de criar um mundo a parte no Laranjal. Um lugar mágico onde tudo tinha nome e até um tipo de “vida”. O Pitinho, nossa pequena floresta particular no mato em frente, um mão-pelada que algumas vezes invadia nossa casa e corria pelas tesouras apavorado com a nossa gritaria, alguns beija-flores que nos encantavam com sua graciosidade. Era um lugar que não poderíamos esquecer.
O veraneio era também o momento de ficarmos juntos. Papai e mamãe brigavam menos, recebíamos muitas visitas e o almoço não tinha hora para acontecer. Era fantástico!
No jardim em frente, papai construiu um caminho com tijolos. Logo ele virou uma estrada mágica, de onde não podíamos sair para não cairmos no “pântano” que era na verdade somente grama. Nos fundos da casa havia um enigmático milharal onde, segundo, nossa imaginação, deveriam morar espécies animais exóticas e quem sabe até perigosas. Sempre apostávamos para ver quem conseguiria entrar naquele tapete verde e dourado sem sentir medo ou gritar histericamente.
Mamãe entrou no quarto, visivelmente abalada, mas logo percebeu pelo nosso semblante que já sabíamos do ocorrido.
Primeiro veio a explicação de que nosso veraneio seria suspenso. Senti algo como sopa quente subindo pelo estômago até atingir minhas orelhas.
No início da tarde, sob protestos de papai, fomos todos até lá. Naquele tempo, a estrada era diferente, uma mão para ir e outra para voltar. Era feita de paralelepípedos e no caminho víamos muito poucas casas.
Chegamos em frente à nossa casa e talvez pelo fato de haver muita vegetação, num primeiro momento nos pareceu tudo normal, não fosse por um monte de entulhos queimados que estavam depositados junto ao meio fio.
O Pitinho estava e lá e sorria para nós. Ele realmente era imponente. Anos depois teve de ser arrancado, pois passou a representar um perigo em dias de tempestade e vento.
Uns latidos esganiçados e logo sentimos a chegada buliçosa do pequeno Simpático.
Enfim algumas alegrias naquele dia que foi uma montanha – russa de emoções.
Entramos com cuidado. Papai na frente. Logo pudemos ver o telhado caído na sala e muitos móveis queimados. Ainda se podia sentir um pouco de calor e por isso não chegamos até o fundo da casa.
Da sala pude enxergar o banheiro. Estava intacto e a cozinha também. Ao menos o fogo não tinha sido guloso, poupando algumas lembranças.
A casa ficava em um terreno enorme, tendo sido construída de modo a que havia muito espaço na rua.
Ouvimos mamãe nos chamando e corremos ao seu encontro. O jardim lateral também havia sido poupado.
- Mas mamãe...E o veraneio? Essa foi a pergunta mais idiota da minha irmã.
- Não tem veraneio, boba. Queimou tudo!! Vamos dormir onde? No chão?
Ela me olhou lacrimosa e por incrível que pareça deu a idéia mais brilhante impossível:
- Porque a gente não brinca de acampamento?
Mamãe olhou surpresa para a pequena e disse:
- Boa idéia! Montamos a barraca aqui. Podemos usar o banheiro e assim acompanhamos a reconstrução de tudo.
Senti vontade de rir de forma exagerada. Aquele seria o melhor de todos os veraneios. Mais um para nossa imensa lista de situações enigmáticas fruto da imaginação infantil que não gasta toda massa cinzenta na frente de uma TV.
Enfim minhas férias começariam. Enfim o Laranjal.

Um comentário:

Isabel C. S. Vargas disse...

MUITO BOM.
TENS MUITO A DIZER.
ISABEL